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terça-feira, 13 de abril de 2010

A pipoca que somos



A culinária me fascina. De vez em quando, até me atrevo a cozinhar. Mas o fato é que sou mais competente com as palavras do que as panelas. Por isso, tenho mais escrito sobre comidas que cozinhando.
A pipoca e um milho mirrado e subdesenvolvido. Fosse eu agricultor ignorante, e se no meio dos milhos graúdos parecessem aquelas espigas maiores, eu ficaria bravo e trataria de me livrar delas. Não sei como isso aconteceu, mas o fato é que houve alguém que teve a idéia de debulhar as espigas e colocá-las numa panela sobre o fogo, esperando que assim os grãos amolecessem e pudessem ser comidos. Havendo fracassado a experiência com água, tentou a gordura. O que aconteceu, ninguém jamais poderia ter imaginado. Repentinamente, os grãos começaram a estourar, saltaram da panela com enorme barulheira. Mas o extraordinário era o que acontecia com eles: os grãos duros, quebra-dentes, se transformaram em flores brancas e macias que até crianças podiam comer.
Mas transformação só acontece pelo poder do fogo. Milho de pipoca que não passam pelo fogo continua a ser milho de pipoca, para sempre. Assim acontece com a gente. As grandes transformações acontecem quando passamos pelo fogo. Quem não passa pelo fogo fica do mesmo jeito a vida inteira. São pessoas de uma mesmice e dureza assombrosa. Só que elas não percebem.
Na simbologia cristã, o milagre do milho de pipoca pode ser representado pela morte e ressurreição de Cristo. A ressurreição é o estouro do milho da pipoca. É preciso deixar ser de um jeito para ser de outro.
Em Minas, todo mundo sabe o que é piruá. Falando com os piruás com os paulistas, descobrem o que eles ignoram o que seja. Piruá é o milho de pipoca que se recusa a estourar. Mas acho que o poder metafórico dos piruás é muito maior. Piruás são aquelas pessoas que, por mais que o fogo esquente, se recusam a mudar. Elas acham que não podem existir coisas mais maravilhosas do que o jeito delas. Ignoram o dito de Jesus: “Quem preservar sua vida, perdê-la-á”. A presunção e o medo são a dura casca do milho que não estoura. O destino delas é triste. Vão ficar duras a vida inteira. Não se transformam na flor branca macia. Não vão dar alegria pra ninguém. Terminando o estouro alegre da pipoca, no fundo da panela ficam os piruás que não servem para nada. Seu destino é o lixo.

(Texto extraído de “O amor que acende a lua”, de Rubens Alves).

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